Medo x Fobia
Inicialmente, é necessário saber distinguir entre o medo de falar em público (algo natural) com a fobia (glossofobia), que corresponde a um problema psicológico de raízes mais profundas, algo que curso de oratória nenhum resolverá.
É muito comum vermos cursos por aí vendendo a ideia de que, após pagar a quantia desejada, qualquer aluno irá sair falando com desenvoltura. Isso não é verdade. Para casos em que ocorram ‘travas’ mais profundas, é necessário uma análise maior e, a depender do caso, um acompanhamento psicológico ou de outros profissionais.
Ocorre que, infelizmente, a maioria (quase todos) dos propalados cursos de “Como falar em público” e “Cursos de Oratória” não possuem acompanhamento de psicólogos ou psiquiatras e isso pode levar à frustração de muitas pessoas que, por desconheceram sua condição, acabam por aceitar a a pecha de “maus alunos”.
Afinal, segundo tais ‘cursos’, se o aluno não aprendeu a culpa é dele…
A ética e a educação
O grande fato é que as “instituições de ensino”, em sua maioria, veem tais cursos como “caça níqueis”. Ou seja, não há interesse algum em indicar ao interessado suas reais necessidades e como solucioná-las. Há apenas o ato de ’empurrar’ um curso, vendido como ‘panaceia milagrosa’. Verdadeiro charlatanismo.
O correto seria que uma triagem fosse feita pois, infelizmente, para alguns é necessário, ANTES de fazer um curso desses, resolver questões mais profundas, que podem envolver tanto a fala (dicção, voz, etc), quanto aspectos psicológicos.
E, nesses casos, o correto seria que o pretendente ao curso fosse encaminhado a um psicólogo, psiquiatra ou fonoaudiólogo. Algo que leva TEMPO e empenho para ser solucionado.
A volta por cima
E é assim que tenho feito ao longo de quase 30 anos. E é o motivo pelo qual faço da “aula de apresentação”, uma aula prática, ANTES da matrícula dos interessados. Pois não me interesso em ‘vender cursos’, mas ‘vender resultados’.
Claro, é sempre uma tarefa muito delicada ter que, reservadamente, aconselhar ao aluno (ou pretendente ao curso) que busque um acompanhamento profissional, antes de fazer um curso, seja o meu ou o de terceiros.
Porém, na maioria das vezes, depois de meses de tratamento especializado, recebi com carinho os mesmos alunos, já em um bom patamar para aprender com eficácia técnicas de comunicação em público.
E posso atestar que tais alunos, não raro, talvez pela dedicação e esforço anterior, tiveram desempenho superior à média dos alunos comuns.
Como diferenciar medo de fobia ?
São dois termos muitos confundidos, porém medo e fobia são ‘animais distintos’. A fobia é um um transtorno mental ansioso. Não possuí uma base lógica ou motivação e pode levar ao “travamento” completo, choro, desejo de fuga ou até mesmo desmaios em alguns casos.
Já o medo é algo natural. É uma resposta mental normal a uma situação de perigo ou enfrentamento do desconhecido.
Por exemplo, se você tem que fazer uma palestra, e ou não sabe o assunto ou não sabe COMO FALAR EM PÚBLICO, é natural que sinta medo. Até porque sua imagem como profissional dependerá de seu desempenho.
E você simplesmente não sabe como, por exemplo:
- montar as ideias;
- conduzir os argumentos;
- gesticular e se movimentar;
- se preparar para perguntas.
É ou não para se ter medo? É claro que sim. Não há quem aceite o ridículo.
O perigo da “programação neurolinguística” e “auto sugestão”
A “programação neurolinguística” foi dessas modinhas que, no Brasil, pegou por pregar “resultados rápidos” e “sem esforço”. Mas se pesquisarmos “programação neurolinguística” na própria Wikipedia, veremos que ela a descreve como uma pseudo-ciência. E já há muitos anos é ridicularizada nos Estados Unidos e demais países que levam ciência a sério.
Mas aqui, ainda há quem ganhe muito dinheiro com isso. Basicamente por usar técnicas de hipnose em alunos sugestionáveis e desesperados por resultados rápidos.
Apenas para ilustrar, em uma análise aprofundada feita por Tomasz Witkowski, este verificou 63 estudos publicados, em 35 anos, sobre “programação neurolinguística” e comprovou que ela “…não possui qualquer base empírica que sustente suas reivindicações…”. (Witkowski, T. (2010). Thirty-Five Years of Research on Neuro-Linguistic Programming. NLP Research Data Base. State of the Art or Pseudoscientific Decoration).
E é triste constatar que existam pessoas que acreditem no binômio “sucesso” + “fácil”. Na verdade, tais pessoas sempre existirão, ou não haveriam tantos ‘milagreiros’, quer na educação, quer na política…
Mas hipnose é algo ruim ?
Se acompanhada por um psicólogo ou psiquiatra, não. São profissionais que estudaram anos a estrutura mental do ser humano e suas implicações. Ao contrário de um “zé” qualquer que fez um cursinho de 6 meses em algum lugar e saiu com título de “mestre” em neurolinguística ou hipnose.
Vejamos alguns casos de sessões de hipnose que deram errado:
- Em 1993 Londres, Sharron Tabarn morreu poucas horas depois de se submeter a hipnose em um ‘show’.
- Em 2011, 3 estudantes da Flórida morreram, sendo dois por suicídio, após se submeterem a uma sessão de hipnose feita pelo diretor de sua escola.
Qual a diferença então de fazer hipnose com um psícologo ou psiquiatra e um “hipnólogo” sem formação alguma?
Psicólogos e psiquiatras vivem de suas profissões, sendo a hipnose apenas um recurso a mais, portanto eles não possuem a necessidade de “empurrar a técnica” para sobreviver. Além disso, eles estudaram OUTRAS técnicas, bem como possuem profundo conhecimento da mente humana.
E sim, é verdade que a hipnose é um ‘método livre’. Mas a opinião pessoal deste professor, baseada em décadas de observação, é de que hipnose jamais deve ser feita fora de um consultório de psicologia ou psiquiatria. A quem você entregará sua alma?
A hipnose e a Oratória
Hipnose e “programação neurolinguística” tem sido usados para vender tudo. De roupas para emagrecer até “pílulas de memória”. E há perigo, também, quando tais “mestres” se colocam a ensinar “Oratória com técnicas de hipnose ou neurolinguística”.
Isso por um simples fator: você até pode fazer hipnose e acreditar que é um grande orador.
O problema é que:
- Ninguém mais irá acreditar nisso (SUA hipnose não passa para os demais…);
- você estará cego para seus erros e acreditará estar fazendo algo “ótimo”;
- por crer que está se saindo bem, não terá como se superar.
O máximo que se conseguirá com “hipnose para falar em público” é se transformar num incompetente convencido. E o que é pior, irremediável, afinal você crerá que ‘mandou bem’.
Mas e o medo, como me livro dele?
Eu comecei a falar em público aos 19 anos de idade, em agremiações políticas. Comecei a palestrar sobre o assunto aos 22 anos. Palestrei em universidades, anfiteatros, instituições jurídicas e militares, fiz a mais longa palestra da OAB/SP (quase 11 horas), sou citado desde o Wikipedia até o New World Encyclopedia. São cerca de 30 anos de experiência. E ainda tenho medo…
E quem não teria? Nossa imagem depende de nossa técnica, de nosso desempenho. Talvez estejamos num dia ruim. E se um adversário criar uma armadilha? O medo sempre estará lá.
A DIFERENÇA é que o medo estará lá, sim, PORÉM SOB CONTROLE. Pois aprendi técnicas para sair de cada situação. Então meu medo não é por NÃO SABER FALAR, mas com o RESULTADO DA MINHA FALA (vender, persuadir, motivar, etc).
Portanto, ao aprender TÉCNICAS para falar em público, sejam de oratória ou outras, se passa a CONTROLAR o medo. Mas ele persistirá, ainda que sob outras formas. Porém não mais o medo de falar em público em si, mas o medo do sucesso ou insucesso.
O “eu interior” e o “eu exterior”
É interessante que, após cada palestra ou discurso, as pessoas tecem elogios, dizem que passo confiança, força, certeza. Já eu, internamente, independente da fala, sempre acharei defeitos em mim mesmo. Pensarei em coisas que deveria ter dito e não disse, ou o contrário.
“Esse” aspecto pertence à personalidade, à autoimagem. E curso algum irá mudar. Novamente, se isso (como você vê a si mesmo) lhe gerar um incômodo ou sofrimento, deverá ser resolvido com o profissional correto: o psicólogo ou psiquiatra (a depender da situação), por meio de adequada terapia.
Já este velho mestre, se ‘aceitou’ quanto a ser ranzinza consigo mesmo. E faço graça às vezes disso. Trata-se de verificar se é algo que causa suplícios demais ou se é algo digerível. É questão subjetiva (e sim, já fiz/faço minhas terapias…).
A guerra contra o medo
Aprender técnicas para falar em público é, de certo modo, um exercício de libertação. Quando criamos essa ponte entre nosso ser e o mundo externo, nos libertamos de um cativeiro. Ganhamos o mundo.
Mas o mundo continuará o mesmo. Com intrigas, fofocas, competição voraz. E nessas ‘esquinas’ da vida, o medo estará lá, nos observando de longe, enquanto discursamos. No olhar de inveja e reprovação de um adversário, no anseio de vender um produto, nas perguntas tresloucadas de gente que pergunta apenas para aparecer.
Mas olharemos o medo nos olhos, e diremos: não tenho mais medo de você, sente aqui do lado, enquanto discurso.
E no dia em que o medo descobrir que não temos mais medo dele. Ele passará a ter medo de nós.
Iran Porã Moreira Necho
Professor de Oratória com ênfase em Retórica, desde 1992
www.mnecho.com